terça-feira, 5 de julho de 2011

Contos do Tour: Uma corrida imprevisível

Já imaginou que alguém pudesse vencer o Tour sem nunca ter envergado a camisola amarela? O episódio verificou-se em 1947 com o triunfo do bretão Jean Robic numa história que termina com o perdedor a enterrar a bicicleta no jardim de casa.
Uma corrida imprevisível - CICLISMO
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1947 – Um Tour de France imprevisível
Devido à 2.ª Grande Guerra Mundial, o Tour de France esteve interrompido durante seis anos (entre 1940 e 1946).
Terminado o conflito, e caminhando a França para a normalidade política e social, Jacques Goddet, que entretanto tinha lançado um novo jornal desportivo, o L´Equipe, junta-se ao director do jornal Le Parisien Libéré para fazerem renascer oTour de France.
Para o efeito, criam a La Société du Parc dês Princes, ficando Jacques Goddet como Director-geral, e Félix Lévitan e Charles Joly como Directores-Adjuntos.
Uma corrida imprevisível - CICLISMO
Com o traçado da prova em incursões pela Bélgica e pelo Luxemburgo, e bordejando as principais cidades francesas, Jacques Goddet estava ciente dos riscos, mas igualmente acreditava que o Tour renascido poderia ajudar a relançar a coesão entre os franceses.
O Tour de France de 1947, começou na Praça do Palais Royal em Paris e o grande favorito era René Vietto, a coqueluche dos franceses, um corredor que já tinha dado boa conta de si nas provas realizadas antes da 2.ª Grande Guerra.
Sempre debaixo de um calor tórrido, René Vietto enverga acamisola amarela logo na 2.ª etapa, entre Lille e Bruxelas, nada que não fosse esperado pelos adeptos franceses.
Só que na primeira etapa alpina, entre Lyon e Grenoble, com passagem pelos cols de L´Epine, Granier, Cucheron ePorte, a vitória foi para o pequeno Jean Robic, outro dos favoritos à vitória final, deixando René Vietto a mais de 8 minutos.
No dia seguinte, a etapa entre Grenoble e Briançon, provoca alterações significativas na classificação geral individual, depois das passagens pelos Glandon, Croix de Fer, Télegraphe e Galibier. Jean Robic teve um desfalecimento e perdeu muito tempo. A camisola amarela passou a ser envergada pelo italiano Aldo Roncani, logo seguido, a pouco mais de um minuto, de Pierre Brambilla e do “ Rei “ René Vietto. Tudo continua, portanto, em aberto.
Pela sua parte, Jean Robic, e no intuito de desmoralizar os seus adversários, lá ia dizendo à comunicação social de que … estava a divertir-se bastantes neste Tour … e que … se considerava invencível.
No dia seguinte, de Briançon a Digne, num dia tórrido, René Vietto desenvolve um ritmo alucinante, venceu as duas difíceis contagens de montanha e a etapa, e passa a envergar o jersey amarelo. Atrás de si está Pierre Brambilla, a mais de 5 minutos.
O Tour de France desloca-se então para sul, até ao Mediterrâneo e depois entra nos Pirinéus. “Rei“ René Vietto está comodamente instalado no 1.º lugar da geral individual e os adeptos esperavam, naturalmente, que ele continuasse a gerir a vantagem que tinha sobre os seus mais directos adversários.
O primeiro susto para René Vietto apareceu na etapa rainha dos Pirinéus, entre Luchon e Pau, com as passagens peloPeyresourde, pelo Aspin, pelo Tourmalet e pelo Aubisque. Jean Robic venceu todas as quatro contagens de montanha e a sua 3.ª etapa neste Tour de 1947 e René Vietto passou a ter a camisola amarela presa por um fio.
Depois de mais meia dúzia de etapas planas, tudo se desmoronou para René Vietto, a dois dias da chegada do Tour de France a Paris, no dia 18 de Julho, mais precisamente no longo contra-relógio de 139 km entre Vannes e Saint Brieuc.
A vitória foi para o belga Raymond Impanis e a camisola amarela para Pierre Brambilla, um suíço, que entretanto tinha adquirido a nacionalidade francesa. René Vietto não conseguiu melhor do que o 15.º lugar na etapa. Ao que se veio a saber, a razão para a má prestação de Vietto no contra-relógio, deveu-se à constante ingestão de uma mistura de cerveja, cidra e álcool durante a prova. Como era de esperar, a prova do “Rei“ René nunca poderia ser boa, porque caiu mais que uma vez.
É conhecido o fim deste Tour de France. Na última etapa, o belga Brick Shoote desenvolve uma fuga, que lhe viria a dar a vitória em Paris. Logo de seguida, mais dois fugitivos a 140 km da meta, Jean Robic e Edouard Fachleitner. Reza a história que o primeiro disse para o segundo: … Tu não podes vencer este Tour porque eu não te vou deixar fugir … Se me ajudares até Paris, eu dou-te cem mil francos …
O camisola amarela Pierre Brambilla, incapaz de reagir perante o esforço conjunto dos dois fugitivos, acabou por perder a liderança do Tour em Paris, para Jean Robic
Foi assim que o pequeno bretão Jean Robic venceu o Tour de France de 1947, sem nunca ter envergado a camisola amarela. Por sua vez, Pierre Brambilla, que ficou em 3.º lugar da geral individual, mal acabou o Tour de France, enterrou a bicicleta no jardim de sua casa.
José Magalhães Castela
( Com base nos dados da Association Mémoire du Cyclisme )

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